terça-feira, 8 de outubro de 2013

Hoje eu queria assim

Hoje eu daria tudo por um terapeuta.
Sabe quando suas perspectivas, idéias, certezas parecem está num liquidificador? Tudo turvo, sem cor definida, textura nova, sem conclusões. Aliás, conclusões são o que menos espero, eu quero mesmo é um ouvido estranho (só hoje) pra falar desse medo medonho de que as coisas continuem como estão. Estagnado.

Ou que alguém me diga: estagnada está sua sabedoria. 

terça-feira, 13 de março de 2012

quinta-feira, 1 de março de 2012

Poema do Menino Jesus

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

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Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

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Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

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Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?


Fernando Pessoa

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Não há!

"Não há diferença entre um pessimista que diz: 'Ah, é impossível, então não se preocupe em fazer nada', e um otimista que diz:'Não se preocupe em fazer nada, vai dar tudo certo de qualquer jeito'. Nos dois casos nada acontece"

Yvon Chouinard, Fundados da Patagônia.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Pracinha do Prédio

Aquelas fotos dos camaradas durante o tempo das empreitadas, descobertas, quando podíamos nos dar o luxo de dizer até ingênuos. Tempo da saudade. Aquela saudade boba, importante e acima de tudo, linda.
Uma mocidade que quando não se reconhecia, tingia os cabelos de vermelhos, cortava-os, a fim de mostrar que mudou. As mudanças marcaram os corpos com seus hábitos. Os magricelos ficaram cheinhos, os gordinhos emagreceram e engordaram de novo, os de cabelos encaracolados os tem lisos agora, e nesse vai e vem, nos espantávamos juntos também.
Para trocarmos ideias, piadas, paqueras, fofocas, problemas, brigas (e foram muitas) e sentir frio era preciso um templo. E tínhamos. Neste lugar especial constata-se apenas quatro bancos, nenhuma beleza e muito concreto: a famosa praçinha do prédio. Mas o que há de concreto mesmo, é que este foi um dos lugares mais lindos da nossa memória dos quais compartilhamos mais de uma década das nossas vidas e que posteriormente concluiremos terem sido os melhores.
O amor uniu muitas vezes por sua força. Às vezes separou porque não afrouxamos esse amor quando e como deveríamos. Alguns trocaram de endereços, por algum tempo mudaram de estados, e outros foram ainda mais radicais mudando de país. Mas duvido que em nenhum outro bairro, cidade, estado e país (ainda que de primeiro mundo) vocês encontrem uma pracinha acabadinha, feinha, e tão cheia de memória viva quanto às dos anos passados até os dias de hoje. Duvido que vocês consigam encontrar um beco que cheira mal e apertado e sejam espirituosos a ponto de dizer que jogam vôlei (corte), futebol, façam festas surpresa, deem uns amassos, naquilo que acreditávamos ser um “salão de festa”. Nós já não aceitamos mais isso, pois nossos parâmetros mudaram; outras pessoas foram agregadas, outras pessoas foram repelidas, nos tornamos tios postiços de alguns daqueles adolescentes que gritando pela janela (pois o interfone está sempre quebrado) chamamos para “brincar”. O pior e o melhor é que brincamos... Aos vinte e poucos anos brincamos de pique esconde quando faltou luz, e com tantas brincadeiras tomamos vários tombos, várias lâmpadas foram quebradas, quedas conjuntas, havaianas jogadas na caixa do ar condicionado.
E as escadas? O que dizer das escadas? Dá até medo! Mas quem nunca deu uns beijinhos naqueles degraus? – independente do bloco. Reduto dos desocupados jogando War até 5 da manhã. Dos pedidos de hamburgão que forçadamente nos fazia permanecer naquele lugar, onde as risadas ecoavam a nossa alegria e incomodava quem queria dormir. Das noites calientes dos visinhos libidinosos que foram protagonistas de um episódio épico do que se deve fazer para conseguir um suco e que ninguém jamais esquecerá aquela noite que rendeu muitas risadas.
E o que dizer do zelador?! Das fofoqueiras?! Do sofisticado restaurante em frente que nos fazia permanecer lá até ser expulsos (coisa que acontecia até no máximo às 11h e no mínimo uma vez por semana). São tantas as histórias, tantas as memórias que minha única motivação em lembrar e escrever isto é saber que tenho as mesmas pessoas para compartilhar e lembrar-lhe que mesmo muito diferentes, somos feito um para o outro. Ainda que apenas por algumas horas do dia.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Mundo Moderno

Mundo moderno, marco malévolo, mesclando mentiras, modificando maneiras, mascarando maracutaias, majestoso manicômio. Meu monólogo mostra mentiras, mazelas, misérias, massacres, miscigenação, morticínio – maior maldade mundial.

Madrugada, matuto magro, macrocéfalo, mastiga média morna. Monta matungo malhado munindo machado, martelo, mochila murcha, margeia mata maior. Manhãzinha, move moinho, moendo macaxeira, mandioca. Meio-dia mata marreco, manjar melhorzinho. Meia-noite, mima mulherzinha mimosa, Maria morena, momento maravilha, motivação mútua, mas monocórdia mesmice. Muitos migram, macilentos, maltrapilhos. Morarão modestamente, malocas metropolitanas, mocambos miseráveis. Menos moral, menos mantimentos, mais menosprezo. Metade morre.

Mundo maligno, misturando mendigos maltratados, menores metralhados, militares mandões, meretrizes, maratonas, mocinhas, meras meninas, mariposas mortificando-se moralmente, modestas moças maculadas, mercenárias mulheres marcadas. Mundo medíocre. Milionários montam mansões magníficas: melhor mármore, mobília mirabolante, máxima megalomania, mordomo, Mercedes, motorista, mãos… Magnatas manobrando milhões, mas maioria morre minguando. Moradia meia-água, menos, marquise.

Mundo maluco, máquina mortífera. Mundo moderno, melhore. Melhore mais, melhore muito, melhore mesmo. Merecemos. Maldito mundo moderno, mundinho merda.


Chico Anysio

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Sou Chata e Grossa!!

Disseram-me no plural que eu era “chata” e “grossa”. A princípio achei um absurdo, para não dizer um despautério. Refleti, me investiguei, revi tudo que me levou a este adjetivo e não sei o que disse de errado. A única coisa da qual me lembro era a ausência de palavras dos que de áspera me chamam.
Deles não sei defini se esta ausência de sinceridade é doçura ou covardia. E de mim não sei definir se é intromissão ou sinceridade.
Não sei ao certo onde esta grosseria se apossa da minha boa vontade em ver o êxito dos meus, uma vez que eu só tinha a intenção de não mentir e contribuir. O que eu não percebo nem concebo é que não é por isso que nos procuram com seus problemas. A procura é por um ouvido surdo, uma boca muda, e umas fofocas depois. Desculpem-me pela sinceridade! Ops! Pela grosseria; mas aqui não conta porque aqui eu falo para mim e para quem tem a sorte ou o azar de ler estas linhas.
Desculpem-me caros amigos, eu não lhes julgo por achar isso de mim, eu só não sei ser diferente. Eu só não sei ser doce. Talvez ela – minha doçura – tenha sido petrificada com tantas reflexões feitas por mim ao longo de uma vida tão subjetiva, e que já está no automático o que me parece mais prático e com isso, menos compreensivo. Quando eu falo não é por julgar, mas é por já ter vividos esses erros, ou esse acometimento (essa expressão é menos grosseira não é?).
Esta pessoa sem papas na língua que vos fala não é só grossa, mas sim protetora; e ver os protegidos lhes atribuir rudeza me deixa sensível. Sim, eu também sou sensível.