Como quem está coberto por inúmeras lanças de terra, que encobrem sem pudor sua virtude, a moça que quando menina achava que sua obrigação era deixar-se cobrir pelas mazelas dos seus e dos que estão em volta. Com isso acabou enterrando-se. A menina tinha passos ligeiros, sorrisos apáticos, curtas palavras para que não denunciasse seu descontentamento perante seus elos sanguíneos e seus contados amigos, ela também tem um olhar baixo como quem perdeu e tem certeza que não vai achar, porém, por algum motivo, ela ainda procurava.
Marília agora mulher, tem como seu fiel escudeiro e inimigo ferrenho - o medo – o seu próprio medo. Aquele que só ela sabe a procedência, e a sufoca sem piedade. Medo é um senhor hostil, que cala, esquartejando os sonhos, tolhendo sua coragem pouco a pouco. E Marília, apavorada como quem tem inúmeros e sucessivos sustos, impedindo-a de olhar alto, falar manso, de sorri lentamente e prazerosamente. Não, o medo não deixa. Marília tem o dom de delimitar-se, fazendo de quase tudo uma impossibilidade, jogando fora o pouco da sua liberdade. Mas ela, se valendo dos anos discretamente vividos, aprendeu com os demais e consigo mesma a se esconder bem.
- Onde?
- Ora! Em sua mente.
Claro que num lugar onde o pavor é driblado e barrado como num jogo do Brasil na copa de 70. Ela se refugia no exercício de almejar, de descaradamente sonhar, com as coisas mais “absurdas” do mundo. Com sublime valentia, ela sonha com o homem ideal, lugar belo igual a cartão postal, e o maior de todos os sonhos, o de procriar. A moça tem certa urgência em fazer pelo os outros o que não tem coragem de mostrar a si mesmo.
- O quê?
- Mostrar que tudo pode ser diferente.
Ela quer mostrar ao outros que é possível olharem o mundo de forma leve e sorrateiramente. Ela acha que suas fraquezas não podem ser superadas por ela mesma, isso explica a ânsia em transferir sua força. Ela sonha em recomeçar.
Nessa dança da vida que ela não iniciou, mas que foi convidada a dançar contra vontade. Marília momentaneamente não sabe mudar de ritmo. A canção agitada se foi e o agora pede uma valsa, como quem anuncia a serenidade que a dança da vida de Marília está pedindo, pois as músicas da sua meninice e mocidade já se foram e não tem como voltar, sendo assim, está na hora de trocar de disco. A vontade de bailar sua singular música é tão grande, que ela se entristece. Ela já está se convencendo que não sabe mais dançar.
- O que ela pode fazer para mudar?
- Quem sabe fazendo do seu inimigo, seu aliado.
- Como?
O fato é que a vida da maioria das pessoas são feitos de sonhos desfeitos. Marília tem de aprender que sonhos não realizados, devem ser transformados. O medo não é um senhor por acaso, ele é importante, ele organiza, ele diz a cada instante o que ela pode e o que não pode daí, cabe a ela escolher. Desilusões batem à porta de todos, sem exceção. Marília tem na verdade, que mudar de mundo. Deixar o mundo do medo para trás ou pelo menos colocá-lo ao lado.
- Mas não entendi como ela pode fazer isso agora já que ela sofre agora!
- Ok! Vou explicar melhor!
Cada um tem seu jeito, mas se eu pudesse aconselhar Marília para começar, eu diria que andasse mais devagar, sorria sem restrições, fale com otimismo, mesmo que as palavras continuem curtas para que denuncie seu contentamento em estar nesse mundo. Diria a Marília também que vá tirando cada grão de areia que enterra sua paz. Marília continuará sentir muito medo, talvez até maior que antes, pois ela não estará sendo refém dele para se justificar. Mas mudanças demandam tempo e dá medo. Mas o tempo é o que menos importa. Já o medo, ou você o controla ou ele controla você.
- E o que aconteceu com Marília?
- Marília conseguiu!
- Como se ela ainda sente tanto medo?
- De mãos dadas com medo, ela seguiu. E seguir é o que basta.
Jane Bem