sexta-feira, 4 de junho de 2010

Zelo e Desapego

Na obscuridade de nossa essência perpassam o zelo e também o desapego. Zelo por todos os que aqui estão e por si próprio. Desapego pelo outros e também por si mesmo. Ou seja, em nossa existência deslizamos numa duna natural entre o amor e o desdenho. Este último que sem ânimo em expressar-se, denominamos indiferença, estágio paupérrimo quando o assunto é relação humana para com humano.

Neste caos de sobe e desce que fazem nossas emoções descabidas, conheci uma dupla. Podemos inclusive dar os nome de Desapego (ele) e Zelo (ela). Ele faz jus a seu pseudônimo, pois sonha alto como menino, onde tudo parece grande demais para seu mundo pequeno. Tem voz altiva e estridente que carrega consigo uma casca rude, sarcástico e prepotente. Sem delongas, usa os demais como degraus para suas momentâneas solidão. Já ela –Zelosa- com seus laços, tenta sempre amarrá-los, pois fica apavorada quando este se afrouxam. Percebeu esta zelosa criatura que sua solidão é diferente da do Desapego, já que não é momentânea. Seu nome fala muito, muito de afeto, de afago e esmero. Faz questão de sorrir mesmo quando a inquietude resolve dar uma passadinha em sua vida, vida esta que deveria ser sossegada (seria se ela fosse mais esperta).

Destinados a serem o que são, foram seguindo. Ele com sua inexplicável e intolerável incisão. Ela, convencida de que os bons laços são os conseguiu construir, tão certa que não se deu ao trabalho de olhar para os lados. Cada qual com sua certeza esqueceram que a vida é mais que ruas retas e sem contornos. Quando menos esperaram, era numa travessia que se encontravam. E travessia não tem jeito, vão de qualquer forma se cruzar, e, se suportando, se tolerando e quando – muitas vezes- preciso se esquivando um ao outro. Por muito tempo, esta foi a regra.

Não vivemos de regras, só alimentamo-nas para pôr ordem à vida. Zelando (ela) sempre por si, aprendeu a conviver. Ele, Desdenhando-a, por vezes admitia que sem ela não via sentido, nem enxergava outras vias.

O Zelo sempre muito sensível viu-se doente, sufocada pelo segredo da efêmera dor mesmo que ausente, lhe entristecia. Ele tão pouco sabia, não era vidente de uma mente tão complexa que junto de si convivia. Com dores constantes, constatações replicantes, promessas de uma cura distante ela não tinha saída, pois já eram amigos, ela lhe devia no fundo, o laço da valentia. Valentia em ser leal e compartilhar o seu medo real. Mas, ele era rude demais para entender, sem meios termos para compreender, ela previa como tudo isso acabaria. Quando de dor já não suportava, ela então o contou. Tremula, envergonhada, cansada e desesperada.

No dia seguinte ao se verem, ela sabia que ele rosnaria enraivecido por sua omissão e covarde. Ao longe, avistaram-se, ela paralisada, ficou a esperar. Ele aproximou-se e nada quis falar, num momento de dor, que poucos entenderiam, ele com seu rosto reluzindo companheirismo e sem falar uma frase, segurou-a pela mão, entrelaçando-se de compaixão. Encaixaram seus corpos num sublime ato de laço forte, que dava bálsamo aos jovens corações.

Neste momento e neste silencio ela perguntou a si mesmo. Quem de fato era o Zelo e o Desapego? Se deu conta então que, Zelo era também o Desapego, e que ele a amava. Naquele instante, palavras não cabiam, nem nostalgia, mas sim, a mensagem silenciosa de que ali ele sempre estaria. Ela então teve a certeza que jamais ouviria o que gostaria, mas também tinha certeza que o maior dos sentimentos por ela ele sentia.


Jane Bem

05 de junho de 2010

Um comentário: