sexta-feira, 15 de abril de 2011

A fé de Padre Estácio

Padre Estácio, sempre austero fazia suas andanças matinalmente entre 8 e 10h, e no final da tarde entre as 15 e as 18 horas quando voltava à paróquia da Cidade de Malta. As andanças do padre o faziam bem demasiado, pois nestes passeios ele sentia que seus fieis o ouviam e o respeitavam como o mesmo gostaria que a sua família o fizesse. Esta falta suprimida de Padre Estácio reside no fato de que sua família morava distante, tão distante que a saudade adormecera a maior parte do tempo dentro do peito dele. Enclausurado em sua pequena casa ao lado da igreja, se perguntava sempre se um dia estaria envolvido num manto de pessoas queridas sem que precisasse marcar hora como se fosse um médico. E se as pessoas não o buscariam como alguém iluminado, ou psicólogo divino. Quando Padre Estácio sentia saudades da família, era porque ele sentia saudade de ser Estácio, somente Estácio. Filho, sobrinho, padrinho, sentia falta de pedir carinho, e de sua mãe trazendo bolo de fubá no lanche do fim da tarde. Ele sentia falta de ser espontâneo, e, por vezes errar. Eram tantos os problemas que os seu fieis lhe confidenciava – e esperando no fundo que ele os solucionasse como se fosse Deus. No fundo, as entidades religiosas elegem o líder para guiá-los, e estes líderes com o tempo se acostumam em ditar o certo e o errado parecendo ter sempre razão mesmo quando o coração do fiel quer ouvir o contrário. Os líderes religiosos brincam de ser Deus; e não há como condená-los. Nós os queremos assim, responsáveis por nossas vidas para que não precisemos nos justificar pelos erros, queremos no máximo ouvir que estamos errados, mas punição, não.

Numa noite chuvosa doeu perceber-se na fria solidão, era como se a cada canto da casa houvesse um bicho feroz; Padre Estácio sentia-se na cova dos leões. Logo que esta sensação o arrebatara, se encolhera na cama como uma criança abandonada por alguém, que nem o próprio sabia de quem. Levantou-se da cama como um ato de coragem e sentando, orou. Rezou o pai-nosso, mas pareceu vacilar na fé, pois a mesma não dava resultado. Suas mãos esfriaram e logo foi se espalhando pelo corpo aquele medo. Foi então que surgiu em sua mente a nostalgia da infância, quando sua cama era quente de carinho. Ao lembrar-se de sua mãe que com o candeeiro aceso na hora de dormir, lhe contava histórias bíblicas, e todos os dias ele esperava ansioso por este momento, não se sabe se era para estar mais próximo de sua mãe ou se de Deus- quiçá dos dois. A única certeza que ele sentia era a de que eram momentos de prazer. Esta é a palavra que definia aquele momento; prazer. Em nesta noite chuvosas o Padre lembrara-se que sua mãe lhe falava com muita convicção:

-Não tema. Nunca tema.
-Não vacile diante de Deus, pois ele está ao teu lado, e sabe tudo, absolutamente tudo o que sentes.
- Quando teu coração por todo e qualquer motivo, em toda e qualquer idade te sufocar até doer, não te esqueças de Deus. Teus medos não encontrarão respostas coerentes sempre, isso, se encontrar alguma resposta.
- Ame a Deus por amar.
-Mesmo quando eu não estiver ao lado de sua cama para te dizer isso.

Sua mãe o fitá-lo seriamente. Não deixando espaço para que ele se distraísse com outra coisa além daquelas palavras. Ela deixara claro que um dia definitivamente não estaria mais ali, nem ao lado da cama, nem neste mundo, pois tudo é efêmero. Nossas vidas são um sopro, disse sua mãe. Neste momento ela disse que na desilusão ele fechasse os olhos, para que não olhasse para imagens, e visse em seu coração o seu próprio Deus. E que pedisse proteção ao seu anjo, seja ela, -sua mãe - ou Deus, querubins, pessa nesta singela oração;


"Santo anjo do Senhor
meu zeloso guardador
se a ti me confiou a piedade divina
sempre me rege
me guarde
me governe
me ilumine
Amém."



Sua mãe o contara que aprendera com seu pai quando menina. Disse também que muitas noites antes de dormir repetia a oração e repetia a si mesmo que no dia seguinte, tudo cessarei, tanto as dores quantos as agonias. Nesta noite, quando era menino, orou esta oração e chorou desolado pelo medo de algo ainda desconhecido. Nunca abraçara sua mãe com tanto amor, com tanta ternura; ele sabia que naquele momento seu anjo o protegia, naquele abraço que mais parecia um escudo diante das maledicências da mente e da alma, ou de algo ainda maior. Trinta anos depois daquela noite, que ele se recordava como se tivesse sido ontem, ele chorou. Aos prantos e abraçado com a saudade ele rezou, chorou, dormiu, acordou e no seu intimo, ainda havia um vazio. Antes da missa, ele não quis receber nenhum fiel em sua casa, pois ele não queria celebrar de corpo presente. Ele desejara estar pleno, ou, ao menos tentar estar. Refletindo sobre sua solidão, Estácio se lembrou de uma das mais importantes histórias bíblicas que ouvira na infância, que era a história dos irmãos Caim e Abel. Especificamente de uma passagem que o fez entender o que ocorria em seu coração; passagem esta que dizia;

-E disse o SENHOR a Caim: Onde está Abel, teu irmão?
-E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão?



Ao se atinar a esta história e a esta passagem, Padre Estácio se deu conta de que neste mundo tão novo, tão cheio de novidades, tão rápido, tão apressado, esta forma de mundo o atingira de forma peculiar, ao perecer que falamos o que Caim falou a Deus a cada instante, sem ao menos percebermos ou refletimos. Pior que falar estas palavras, é a prática delas. Fato é que não cuidamos mais do próximo, não queremos cuidar. Nosso mundo é constituído de uma sociedade individual que não vive na realidade como ela se apresenta. Vivemos num mundo onde idealizamos nossas relações, que estão a cada dia mais distante, onde os olhares não são tão comuns como deveria ser, pois, com tantas mudanças, resolvemos mudar isoladamente. Nossa práxis é obsoleta. O padre se deu conta que indo de casa em casa, fazendo o seu trabalho de forma correta não mudaria nada. Nós sozinhos não mudamos nada. Absolutamente nada. Não há razão em nos dedicarmos cinco dias da semana trabalhando e reservar um dia para o voluntariado, isto não é mudança, mas uma auto-redenção de forma bem intencionada. Enquanto quisermos fazer os nossos trabalhos sozinhos, achando estar tranqüilizando a mente, esqueçam. Nossa vida pede, clama coerência. Nossas ações são o que nos edifica. Nossos desejos estão deturpados, pois desejamos ter muito mais sozinho pro não querer descaradamente dividir o mérito.


Neste momento, entendeu o porquê do seu medo. foi não ter alguém para abraçar, como fez com a sua mãe, se deixou dominar na noite passada, pois, estava só. Não havia ninguém para dividir sua causa significado que dar sentido e origem a palavra, campanheirimo. Ele sentia de falar de suas dores ao invés de ouvir a do próximo como se não as tivesse. Não havia troca na sua relação com os demais que ele julgara acalentar.

Na missa, Padre Estácio resolveu contar como fora sua noite anterior e, como tivera chegado à conclusão de sua solidão, e a partir desta manhã sugeriu práticas coletivas como rotineiras, não como fatos isolados. Que aprendêssemos a nos olhar como irmãos, e não como vizinhos colegas, ou santidade superior. E nesta mesma missa, ratificou que mesmo no desalento, o dia seguinte será sempre melhor; pois tudo depende da nossa fé em Deus, no próximo e nas ações.

Jane Bem

Um comentário:

  1. Apenas gostaria de informar ao padre Anastacio que estou todos dias a partir das 18 horas fazendo a retasmissão do programa "Caminhando com Jesus Cristo" e agradeço ,abraço locutor Zezito Martins (Radio Rural Sertaneja Raiz - 105,1 FM. Araçuaí - MG.

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